Ana Paula Almeida Marchesotti é historiadora e, acima de tudo, uma apaixonada por Lagoa Santa. Seu contato com a cidade e sua história começou na infância, quando seu avô paterno _ o saudoso pianista Arnaldo Marchesotti _ mudou-se para Lagoa Santa. Anos mais tarde, ela também escolheu essa cidade para viver e pesquisar.
A historiadora defendeu recentemente uma dissertação de mestrado na UFMG na qual demonstrou seu grande interesse e conhecimentos acerca da história de Lagoa Santa e de seu personagem mais ilustre: Peter W. Lund. O título da dissertação é “Peter W. Lund (1801/1880): o naturalista, sua rede de relações e sua obra, no seu tempo”. Para escrevê-la pesquisou importantes fontes documentais da Dinamarca, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Lagoa Santa. Certamente, Ana Paula Almeida Marchesotti tem muito a contribuir no conhecimento e divulgação de nossa História.

Ana Paula Almeida Marchesotti
Mestre em História pela UFMG.


Homem das cavernas
Biografia de Peter Lund escrita por Ana Paula Marchesotti articula o conhecimento sobre o indivíduo com elementos do contexto social da época. Livro aposta na vocação crítica da história das ciências.

João Paulo


Caminho de Lagoa Santa pintado pelo artista Peter Brandt, amigo de Lund

Peter Lund é um nome presente no dia a dia de Lagoa Santa. Ele dá nome a escolas, bairros, comércios e ruas. Seus estudos nas grutas da região, suas pesquisas com a fauna, flora e fósseis deram uma notoriedade que ainda hoje liga a cidade à pesquisa científica e à aurora da paleontologia no Brasil. No entanto, o real conhecimento da figura de Peter Lund se perde em meio a lendas, que passam por cima da importância de sua obra científica para fortalecer o mito do sábio europeu que escolheu a solidão e o isolamento do interior do Brasil em vez da carreira de cientista consagrado pelas principais academias da Europa. A historiadora Ana Paula Marchesotti busca resgatar com seu livro Peter Wilhelm Lund – O naturalista que revelou ao mundo a pré-história brasileira uma personalidade em diálogo com seu tempo, com as questões científicas candentes que dividiam pesquisadores entre o catastrofismo e o evolucionismo e com a incipiente configuração de uma comunidade científica no Brasil. Um dos destaques do trabalho é a valorização da história da ciência a partir de seus personagens. Para Ana Paula, a biografia é um instrumento que permite caminhar no fio tênue entre a vida pessoal e o contexto social e histórico.

São dois campos ricos. De um lado a vida de um homem que parecia apto a cumprir todas as etapas que se divisavam aos homens de ciência de sua época. Estudou nas melhores escolas da Dinamarca, estava atualizado com os conhecimentos da ciência e das humanidades, era dono de curiosidade pertinaz e de destacado talento para a pesquisa de campo. Por outro lado, filho do século 19, vivia época rica, em plena onda de viagens de naturalistas ao Novo Mundo, incentivados pela ampliação do universo de conhecimento e pelos novos métodos da ciência. A biografia, nesses casos, poderia cair em riscos simétricos: o excesso de heroísmo do personagem ou a força incontornável do meio e da intersubjetividade científica. A autora articula bem as duas pontas e oferece um livro rico de informações e análises. Nem excesso de psicologia nem submissão às determinações externas.

Assim, Peter Lund, além de suas contribuições inegáveis para a ciência (mesmo com seus limites, que, de resto, são os limites do progresso do conhecimento), se torna um caso exemplar de homem que permite, pela riqueza de sua vida e de seu tempo, avaliar a sempre tensa relação entre indivíduo e comunidade no campo das ciências. A autora divide sua obra em três partes, que intercalam a história da ciência com reflexões teóricas, que trazem para o texto contribuições de pensadores de outras áreas, como a história da ciência, a filosofia e a sociologia do conhecimento. É nesse campo de saber que flui com naturalidade a descrição das condições de trabalho de um pesquisador perdido no sertão brasileiro em sintonia com as análises acerca dos sistemas de conhecimento a partir de Foucault, ou da criação de uma comunidade científica, de acordo com conceitos de Thomas Kuhn. No campo específico da história da ciência, Ana Paula se inspira em trabalhos de autores como Stephen Jay Gould e Ernst Mayr.

O primeiro capítulo apresenta um mapeamento biográfico de Peter Lund, mostrando como sua história foi sendo construída em diferentes momentos. Há um esforço para avançar além do mito e das reconstruções de época, que geraram um Peter Lund mais imaginário e heroico que real e contraditório (como todos os homens). A segunda parte estuda as relações que o cientista estabeleceu com as comunidades científicas do Brasil e da Europa, evidenciando o caráter cultural do conhecimento. Por fim, na terceira seção, a autora faz um inteligente balanço da relação entre a vida e obra do cientista, a partir das profundas inquietações do período abarcado por sua vida. O resultado é um homem que responde ao seu tempo e o contradiz; que é guiado por formulações hegemônicas, mas é capaz de deixar brechas que explicitam seu rompimento; que sofre as determinações da história, no entanto deixa pegadas pessoais de sua caminhada.
Em entrevista ao Pensar, Ana Paula Marchesotti fala dessas e de outras questões, que fazem de Peter Lund um personagem que ainda tem muito o que ensinar. O que, em se tratando de ciência, não é pouco. É quase a confirmação do sentido de uma existência.

Peter Andreas Brandt representa a si próprio de costas, registrando pinturas rupestres em Cerca Grande.
De onde veio seu interesse pelo estudo de Peter Lund?
Quando decidi fazer meu mestrado já morava em Lagoa Santa, cidade em que o nome de Peter Lund está estampado em praça, escola, hotel, laboratório e nos mais diversos lugares. Porém, percebi que, apesar de fazer parte da identidade cultural da cidade, as pessoas não conheciam sua história. Quando fiz um levantamento prévio, vi que havia parca bibliografia a seu respeito e todas eram das primeiras décadas do século 20. Além disso, fui surpreendida pela grandeza de sua obra e sua atuação científica. Compreendi que sua relevância ultrapassava enormemente os limites de Lagoa Santa. Ele não era importante apenas para a história de Lagoa Santa e de Minas, e sim para a história das ciências no Brasil e no mundo Resolvi, então, fazer uma biografia científica dele e contribuir para um conhecimento mais apurado de sua trajetória.

Qual era o ambiente em que Lund foi criado na Dinamarca e por que ele veio para o Brasil?
Lund foi criado em uma abastada família de comerciantes dinamarqueses, o que possibilitou sua dispendiosa atividade de viajante naturalista. Estudou na conceituada Universidade de Copenhague, onde graduou-se em medicina e letras. Copenhague, no início do século 19 era conhecida como “Atenas do Norte”, por sua efervescência cultural e foi nesse ambiente que Lund foi criado e se formou intelectualmente. Nessa época, a formação era bastante ampla e ele sentiu-se atraído pelos estudos no campo da história natural. Veio para o Brasil pelas enormes possibilidades que representava nessa área de estudos. Até a vinda da família real para o Brasil, não era permitida a entrada de estrangeiros no país. Durante todo o período colonial houve medidas restritivas que impediam a entrada de estrangeiros em solo brasileiro. Procurava-se, dessa forma, manter fora do alcance de outras nações conhecimentos acerca das riquezas brasileiras. A suspensão dessas restrições a partir de 1808 provocou uma verdadeira febre de expedições científicas ao país. Lund foi um desses naturalistas estrangeiros que se viram atraídos pelas pesquisas da natureza brasileira.


PETER WILHELM LUND – O NATURALISTA QUE REVELOU AO MUNDO A PRÉ-HISTÓRIA BRASILEIRA
. De Ana Paula Almeida Marchesotti
. Editora e-papers, 194 páginas
. Lançamento dia 8, às 18h, na Livraria Status Café, Cultura e Arte, Rua Pernambuco, 1.150, Savassi


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ENTREVISTA/ANA PAULA ALMEIDA MARCHESOTTI - jornal Estado de Minas - 05/05/2012


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