Entrevista do Promotor Dr. Adriano de Oliveira Cândido sobre traficantes e usuários de drogas,
concedida ao Jornal "Lagoa Santa Noticias"

"A onda de criminalidade em Lagoa Santa vem preocupando a todos. Para saber mais sobre como está o cenário da droga entre os jovens na cidade, o Jornal Lagoa Santa Notícias procurou o promotor da vara da infância e juventude do Fórum, o Dr. Adriano de Oliveira Cândido.
Em uma entrevista exclusiva, o Promotor conta que o número de traficantes entre os jovens, bem como o de usuários, vem crescendo ano após ano e esta não é uma realidade isolada do município e sim uma realidade nacional.
Jornal Lagoa Santa Notícias: Como está a questão do uso e tráfico de drogas entre os adolescentes aqui em Lagoa Santa?
Dr. Adriano de Oliveira Cândido: A questão da droga é preocupante em várias cidades e em vários países. A lei proíbe que adolescentes de até 16 anos trabalhem, a não ser na condição de aprendiz. Mas esses adolescentes já estão trabalhando no tráfico.
A gente oferece uma representação contra este adolescente para que sejam aplicadas medidas sócio-educativas previstas no estatuto da criança e do adolescente, que pode ser desde uma simples advertência até uma internação que é a privação da liberdade daquele adolescente. Entretanto, depende da gravidade do ato infracional cometido por ele. Como o ato infracional de tráfico de droga é considerado uma infração grave, nós temos aplicado para estes adolescentes medidas sócio-educativas de liberdade assistida, por falta de vagas em centros para internação no município e na região. Mas enquanto este jovem está respondendo por processo, aqui em Lagoa Santa, fica cautelado numa cela na delegacia, separado dos demais presos, aguardando o julgamento deste processo.
Este ano, oito menores já foram julgados como traficantes e 21 como usuários. Mas estes usuários praticaram outros atos infracionais, como o crime de roubo, em maioria.

LSN: O aumento no tráfico de drogas é conseqüência de qual situação?
Dr. Adriano: A Lei fala que é dever da família, da sociedade e do poder público assegurar à criança e ao adolescente habitação, educação e diretrizes. Então, quando o adolescente está em conflito com a lei, na prática de um ato infracional, este alicerce mencionado, a família, sociedade e poder público estiveram ali. São várias as causas, mas acredito que a maior é a paternidade irresponsável. Muitos destes jovens são frutos de uma paternidade irresponsável. Um exemplo forte foi a resposta de um dos jovens que participou da execução do jornalista Tim Lopes, quando perguntado sobre as razões que o motivou ao mundo do crime. Este adolescente, que na época tinha 14 anos, disse que “quando o pai e mãe não criam, o vagabundo cria.” Essa é uma realidade. Além disso, existem outras questões como a desigualdade social, a educação, falta de trabalho e ocupação destes. O jovem fica muito tempo ocioso, não existe um trabalho com ele neste período, não temos uma educação com regime integral, com assistência direta a estes jovens.
Para se ter uma idéia, muitas das ações que temos aqui no fórum estão relacionadas às questões de alimentos, que é o direito natural de qualquer ser humano, e mães comparecem aqui para lutar por este direito, porque o pai não dá este auxilio. Muitas das crianças que aqui chegam não sabem quem é o próprio pai. Isso é um grande erro.

LSN: Qual a relação existente entre o a educação e a criminalidade?
Dr. Adriano: Ressalto que existe uma falta de controle dos pais com os filhos ao uso precoce de drogas, no entanto, o “capetinha” está aí e as oportunidades também. O consumismo é também o grande vilão nesta realidade. As pessoas estão mais acostumadas em ter do que ser. Ter o tênis de marca, a roupa da moda. Educar não é tarefa fácil.
Infelizmente muitos pais acham que a escola é a única responsável pela educação de seus filhos. Os professores têm feito malabarismos para dar conta da tamanha responsabilidade para com adolescentes que já chegam à escola sem limites e sem referência de nada. Eles precisam de mais valorização e mais motivação para lidar com os jovens de forma mais personalizada e com qualidade.

LSN: O que o poder público e a justiça têm feito para a prevenção desta criminalidade precoce?
Dr. Adriano: O poder público tem feito a sua parte e a sociedade também, mas a família não tem feito o que cabe a ela. Além disso penso que a sociedade precisa fazer ainda mais. Existe, por exemplo, um Fundo Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, que serve para criação de uma política pública social voltada para estes cidadãos. Porém quando se faz convocações, como a que fizemos a pouco em Confins com determinados segmentos da sociedade com o objetivo de conseguir tais doações, que podem inclusive serem descontadas no imposto de renda, poucos participam. De todos os empresários convidados da cidade e região apenas sete deles compareceram. Este fundo é importantíssimo, pois deles saem mecanismos para estas políticas públicas sociais, que serão ditadas e norteadas pelos conselhos que irão levá-los para o executivo. Temos aqui na cidade o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o executivo sozinho não faz nada. É necessária uma maior participação da sociedade neste processo. E vou bater novamente nesta tecla, a família é a grande responsável pelo caos que a gente tem visto aí. Vemos uma desestruturação familiar imensa, com pais alcoólatras e drogados, mães que abandonam etc. É preciso mais conscientização, pois quando se coloca no mundo uma criança, tanto a mulher quanto o homem, tem que ter a responsabilidade de criar este novo ser. Os casais têm que saber a hora certa de ter o bebê, evitando gravidez precoce e paternidade irresponsável..

LSN: Qual a relação existente entre o uso precoce de drogas e criminalidade?
Dr. Adriano: Noventa por cento dos crimes relacionados com roubos e furtos estão relacionados com a droga, com o uso ou com o tráfico. É importante frisar que não só pessoas humildes, de baixa renda que estão envolvidas com a droga, os usuários eventuais, de classe média e alta também estão envolvidas. Isso só faz fomentar o tráfico, aumentando a criminalidade. Drogas como maconha, cocaína e muita bebida. O uso da bebida é uma porta para o uso de drogas.

LSN: Qual a droga mais utilizada por eles?
Dr. Adriano: O crack e a maconha são hoje as drogas mais usadas. O crack é uma droga mais barata e vicia mais rapidamente, dá um embalo rápido (como eles costumam falar) e pela falta dela, este adolescente irá assaltar.

LSN: O poder público poderia fazer mais?
Dr. Adriano: Acho que sim. Os políticos têm uma responsabilidade muito grande nestas políticas públicas sociais que demandam certa rapidez. Já existe um diagnóstico sobre a cidade e eles o têm. Falta, portanto, fazer algo mais direcionado à necessidade primeira percebida. Nós do Ministério Público temos trabalhado em parceria com o executivo. Temos cobrado e estamos sendo atendidos. Mas a demanda é muito grande.

LSN: Hoje em Lagoa Santa quais as ações que existem para o combate à droga e ações de assistência a estes jovens infratores?
Dr. Adriano: Para o combate à droga ainda não temos e como disse anteriormente, está para ser implantado com o Credeq, por meio de um convênio. Para os jovens infratores que praticam ato infracional grave, o município implementou o Programa de Liberdade Assistida que está sendo desenvolvido na antiga Febem, quase todos estão envolvidos com tráfico de drogas.

LSN: Quando a família percebe que o filho está envolvido com drogas, quais as primeiras medidas a serem tomadas? A quem procurar?
Dr. Adriano: Aqui em Lagoa Santa, temos o Conselho Tutelar, que é um órgão que irá zelar por estes direitos. Ali o jovem será encaminhado para psicólogos e assistentes sociais para iniciar um trabalho. Porém, uma questão muito delicada que vive o município é que não temos ainda um lugar de recuperação de dependentes químicos. O Ministério Público, através da Promotoria da Infância e Juventude, junto com a Secretaria de Desenvolvimento Social, está se empenhando para finalizar o processo de convênio com o Credeq, que hoje funciona onde era a antiga Febem, para atender esta demanda.
 
fonte: Jornal Lagoa Santa Notícias - 19/10/2007
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